quarta-feira, 14 de julho de 2010

toca e foge

O conceito toca e foge, foi algo que apareceu numa bancada das minhas cozinhas.

Há já algum tempo, estava a gritar aos aprendizes pela sua total inoperância que me enlouquecia. Ouvia o crepitar das brasas no grelhador e o som metálico da faca na bancada de inox, porém os clientes reclamavam ruidosamente as suas refeições que tardavam em aparecer. Chovia lá fora como torrentes jugulares e a cozinha escurecia após cada relâmpago.

Nada corria conforme a ordem militar e precisa impunha,aquela ordem imposta por treinos que traduz cada movimento numa precisa necessidade para a seguinte e por fim traduz-se em resultados a manifestarem-se em segundos previstos no primeiro movimento. É assim que uma cozinha deve ser.
Estávamos perante uma total desordem. Estava capaz de matar os incapazes que balbuciavam movimentos inúteis naquela pressa imposta pela pressão dos camareiros que faziam rodopiar as portas giratórias! Os pedidos esvoaçavam cada vez que o maitrê batia energicamente na banca reclamando os seus ossos bucos ou a dourada em crosta de amêndoa. Nada funcionava.

Sabiam que poucas coisas me tiravam do eixo dominador, mas a ruína e o fracasso era uma conjugação que me faziam reagir.

Agarrei vários pelos braços, e sacudi-os com a força do meu corpulento e furioso estar. Coloquei-os em cena e repeti-lhes num tom grave que iriam padecer de cortes ferozes se em dois segundos não estivessem os pratos na banca do maitrê.

No entanto percebi algum tempo depois, e quando o número de papéis deixava de acumular-se na bancada, que um dos pouco profundos entes, corria e trazia pequenos alimentos à cozinha. Quando lhe perguntei o que era aquele passeio disse-me "estou a trabalhar!". Na verdade, parecia. Mas na verdade, não era. Aparecia, mostrava-se e quando chegava a hora da verdade fugia.

Tal como as mulheres que seduzem e não consumam, que tocam mas não acariciam, toda esta atitude é nauseabunda. É revestir-se de uma verdade que não se assume. querem ser castas vestidas na pele do lobo.

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